segunda-feira, 26 de março de 2012

ANATOMIA DUMA VENDETTA (I)

Já não constitui novidade para ninguém que desde a comunicação televisiva do PR num fim duma tarde de Verão (31.07.2008), pela qual Sexa alertava Portugal para as ousadias previstas no então Estatuto de Autonomia dos Açores (votado por unanimidade na ALA, saliente-se...), que o relacionamento da República com os Açores e vice-versa sofreu alterações profundas.

Nessa comunicação o PR afirmou que alguns artigos desse Estatuto punham em «risco sério o equilibrio institucional».

Nessa data o signatário encontrava-se no estrangeiro e foi através da EuroNews que tomámos conhecimento dessa comunicação e das suas consequências imediatas.

Por uns instantes - tal era a gravidade do momento e o semblante cerrado do respectivo orador! - pensei que os meus Açores tinham declarado unilateralmente a independência.

Hoje, quando confrontamos esse momento e os motivos evocados e elencados para anunciar o famigerado veto politico ao Estatuto, ficamos deveras perplexos e estarrecidos, com o que aconteceu a partir daí , e em especial nestes últimos tempos onde tem havido pontapés a eito na bucólica e tão mal tratada Constituição da República Portuguesa.

A verdade é que a partir desse momento as contradições do poder politico em Lisboa (maioria governamental e oposições) e as fintas institucionais entre os diversos orgãos de soberania (PR, AR e Governo Central) acentuaram-se , tendo como consequência imediata a ruptura dum consenso que tinha sido alcançado nos Açores.

Lembramos em especial a posição que os apoiantes do PR nos Açores assumiram a partir desse veto.

De apoiantes incondicionais do Estatuto, os cavaquistas locais começaram a roer a corda e progressivamente foram aderindo às teses do PR, transportando este facto politico para a luta politica interna nos Açores, fragilizando a nossa posição em relação à República.

Nunca fomos entusiastas desta Autonomia, todavia não deixamos de reconhecer que para atingirmos pacifica, democrática e conscientemente um grau superior de autonomia ou de auto-determinação, é necessário percorrer uma longa caminhada (step by step).

E o que sucedeu a partir desse momento foi a paragem nesse processo, ao qual alguém já o tinha apelidado de progressivo.

Inclusivamente, o Estatuto foi expurgado da expressão jurídica «Povo Açoriano», como as pessoas que aqui nasceram, viveram, defenderam estas ilhas e que construiram uma identidade própria, fossem confundidas com os habitantes dalgum subúrbio continental (com todo o respeito que temos por eles!) e que como sabemos não têm raízes históricas ou culturais ao lugar.

E foi a partir desse momento que os bloqueios institucionais, associados à eclosão da grave crise económica e financeira que ainda estamos a viver, foram surgindo paulatinamente nos Açores e contra os Açores.

Não é por acaso que a partir dos finais de 2008 até à actualidade, temos vindo a assistir a uma crescente animosidade contra os Açores; a uma inveja da nossa autonomia e da nossa maneira de viver e a uma crescente agit-prop, alimentada por algumas instituições nacionais, por muitos grupos de comunicação social e em especial muitos comentadores (ex-governantes e não só..) com avença em dia.

Infelizmente, nessa guerra montada e planeada contra os Açores, houve a colaboração e a participação de muitos dos nossos conterrâneos.

(cont.)


Figura: Mapa-mundi com as rotas marítimas percorridas pelo nosso navegador solitário, Sr. Genuíno Madruga, numa das suas viagens de circum-navegação.

2 comentários:

  1. Mesmo sem ser secessionista, confesso que não gostei do modo como o PR conduziu os seus desacordos com o EPARAA.
    Contudo, mesmo ao nível da autonomia, a capacidade reivindicativa dos Açores só é real quando a região conseguir ser economicamente autossuficiente e não apresentar uma economia onde os seus rendimentos são em grande parte cobertos por transferências nacionais e europeias cujo valor seja maior do que aquilo que produzimos em bens transacionáveis. Até lá é mostrar-se hipocritamente fortes enqunnto se anda de mão estendida a pedir

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  2. Dr. Carlos Faria:

    Efectivamente só podemos ascender à nossa «independência» se conseguirmos optar por um modelo económico, jurídico, politico e social que seja sustentável.

    Não é o que acontece presentemente, onde o modelo económico vigente nos atira para as «dependências crónicas».

    Haja o «poder regional» que houver, pois nunca sairemos desta quadratura do círculo, senão mudarmos radicalmente.

    Basta olhar para as actuais competências do nosso GR -ao qual todos correm e reinvindicam soluções! - para vermos que o nosso governo «regional» está impedido de fazer coisas muito simples, como aquelas que recentemente foram vetadas pelo Representante da República.

    Quanto ao Sr. Presidente da República, devemos considerar que é um caso perdido para os Açorianos, por culpa duma cumplicidade cínica que aqui se radicou.

    A «sombra de Cavaco» já perdura há muito tempo nos Açores.

    Lembro que ele, enquanto PM, foi muito ruim para o nosso Arquipélago e nessa altura o Dr.Motal Amaral muito «sofreu» para ultrapassar todas aquelas dificuldades.

    Foram tempos desprezíveis, onde a figura tutelar dos então Ministros da República criava incidentes e colocava bloqueios institucionais à nossa governação autónoma.

    Ainda estou lembrado que o então PM, Prof. Cavaco Silva, encomendou a um dos seus assessores da altura, julgo que o Prof. João César das Neves, um «estudo de viabilidade económica» referente às Autonomias...

    Enfim, afrontas que muitos e muitas querem «branquear»
    para atingir os seus propósitos politico-partidários mesquinhos.

    Felizmente ainda há muitos contemporâneos (governantes, deputados, militantes, cidadãos anónimos ) da governação do Dr. Mota que não se esqueceram.

    Pois quem não sente, não é de boa gente...

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